As Histórias em Quadrinhos (HQ), juntamente com os jornais e revistas, representam um dos mais difundidos meios de comunicação de massa, alcançando, através de suas características universalmente conhecidas, uma influência considerável na formação de seu público.
É um material com o qual o aluno já possui familiaridade, é escrito obrigatoriamente de uma forma fácil e acessível (caráter popular), com padrões linguísticos que visam a catarse (queda do estresse por parte do leitor) e uma forte ligação com o cognitivo do indivíduo que se envolve com sua narrativa.
A História em Quadrinho poderia estar alocada em quatro grupos pedagógicos principais:
a) categoria ilustrativa, cuja principal função é representar de forma gráfica um fenômeno previamente estudado, possuindo primordialmente uma função catártica;
b) categoria explicativa, que possui como principal característica a explicação integral de um fenômeno físico, abordando-o na forma de Quadrinho. Esta categoria é muito utilizada em campanhas publicitárias que almejam conscientização de grandes massas em curto espaço de tempo (gibis que abordam o efeito estufa, economia de energia elétrica, dengue, entre outros);
c) categoria motivadora, a qual tem como objetivo, inserir no enredo da HQ, o próprio fenômeno físico, sem uma explicação prévia do mesmo. Tal fato buscaria motivar o aluno a pesquisar/entender a respeito do tema tratado para compreender a narrativa colocada pela História em Quadrinho;
d) categoria instigadora, que possui como principal característica, a proposição explícita, no decorrer do enredo, de uma situação/ questão que faça o aluno pensar a respeito do assunto tratado.
Do ponto de vista do leitor/estudante, a leitura de uma HQ torna-se uma atividade muitas vezes relaxante, comportamento explicado pelo mecanismo psicológico da catarse, ou seja, o despojamento das tensões cotidianas em virtude da realização de uma atividade lúdica. Assim, a História em Quadrinho pode ser vista como uma fonte acessível, um instrumento que faz parte do cotidiano do discente, o que, em uma primeira fase, causaria um contato mais direto entre o aluno e o material utilizado. Salienta-se também que a linguagem e formatação proposta pelas HQ são colocadas da forma mais acessível possível, criando uma narrativa dinâmica, com proposição de desafios e atividades cognitivas ao leitor.
3 características fundamentais de um Quadrinho: a ludicidade, a linguagem e o cognitivismo
Lúdico:
Uma atividade lúdica, de um ponto de vista mais amplo, ou a leitura de uma História em Quadrinho, em uma contextualização mais restrita, possuem em sua confecção e aplicação a existência de duas características fundamentais que poderiam favorecer o alcance deste objetivo: a catarse e o desafio.
A catarse, como objeto formador da atividade lúdica, busca no jogador uma performance livre das tensões cotidianas ou tradicionalmente impregnadas nos sistemas escolares, buscando desta forma, uma pronta associação entre a atividade desenvolvida e o material que leu/brincou.
Linguagem dos quadrinhos
Para Cagnin (1975) a História em Quadrinhos é classificada como um sistema narrativo formado por dois códigos gráficos: a imagem obtida pelo desenho e a linguagem escrita dos balões e descrições. Os dois sistemas envolvidos atuam em uma relação de complementaridade no contexto da HQ, sendo que o elemento lingüístico escrito possui um amplo poder de representação no campo dos conceitos universais, enquanto que o elemento icônico busca a representação dos objetos físicos, seus movimentos e sucessões.
O texto incorporado ao Quadrinho tem o objetivo de indicar aquilo que a imagem não mostra, acrescentando elementos temporais e espaciais ao contexto pretendido, conseguindo estabelecer a união lógica das vinhetas e quadros. Já a imagem, fixa e sem palavras, através de seus traços e códigos ideogramáticos, busca fornecer a dinamização à sequência de eventos da história, a quase visualização do som e a representação da vida psicológica das personagens. As características acima descritas, unidas de forma coerente, transformam um texto e imagem, independentemente estáticos, em um sistema dinâmico e representativo da realidade (fiel ou imaginária, real ou semi-real), que consegue, desta forma, uma inserção/participação do leitor em sua narrativa (Quella-Guyot, 1994).
A eficácia da mensagem a ser transmitida pelo Quadrinho está na amplitude da intersecção entre as informações de texto e as informações de imagem. A utilização de uma História em Quadrinho no ambiente escolar implica em uma escolha ou montagem criteriosa do material – uma divisão igualitária entre as imagens e os textos utilizados no enredo poderia tornar a HQ uma estratégia educacional mais rica, utilizando de forma mais completa as características semióticas peculiares da História em Quadrinho.
O cognitivo
A interpretação dos códigos mistos que permeiam a HQ exigem uma atenção complexa do indivíduo, tendo em vista o grande número de regras e convenções estabelecidas para uma leitura correta da mesma. Durante o desenvolvimento do enredo, o leitor poderá utilizar sua capacidade de análise, síntese, classificação, decisão e tantas outras atividades mentais que se fizerem necessárias a uma compreensão correta da narrativa.
Uma das características cognitivas que talvez seja a mais trabalhada em uma HQ é a imaginação. Sem imaginar, como seria possível completar os vazios entre os quadros? Como seria possível se adaptar tão facilmente a cortes brutais de tempo e espaço? (Na HQ tudo é possível). Como seria possível estabelecermos relações tão fortes com as personagens, a ponto de nos identificarmos com elas, participando da dinâmica proposta pela história?
Assim, a História em Quadrinho, estabelece em sua utilização uma série de ações cognitivas que podem ser exploradas em uma situação de ensino. A identificação e relação dinâmica do estudante com o enredo proposto pela HQ poderia ser uma das estratégias fundamentais deste instrumento – utilizar o Quadrinho como um desencadeador de um conflito cognitivo.
A escolha criteriosa de um enredo e uma contextualização adequada do Quadrinho, permitiriam que este último fosse utilizado como uma possível estratégia na busca de gerar um conflito cognitivo no leitor-estudante. As situações desafiadoras/desequilibradoras poderiam estar inseridas dentro da própria narrativa. A HQ poderia fazer o papel de gerir o primeiro passo na busca da mudança conceitual.
Mas, por que utilizar um HQ instigadora? O que há de errado com os Quadrinhos motivadores, ou mesmo os explicativos e ilustrativos?
Na verdade, em coerência com o referencial teórico adotado neste trabalho percebemos que a HQ instigadora, assim como as demais categorias, possuem características em comum: linguagem universal, fácil leitura, códigos conhecidos, estrutura dinâmica, catarse e desafio lúdico. Mas, a vantagem da HQ instigadora é que nela há um tipo de desafio diferente das outras categorias. O desafio, neste caso, não se trata de “querer chegar ao fim da história para ver a piada”, ou “vou pesquisar mais para entender os termos técnicos usados pelo autor”. A instigação baseia-se principalmente na colocação explícita de uma situação-problema ao leitor; o desafio estaria em resolvê-lo para conseguir um bom entendimento da narrativa. Esta proposição é um dos alicerces da teoria construtivista, na qual o processo de ensino é desencadeado por uma problematização geradora da discussão posterior.
O desafio colocado pela HQ pode ser de grande influência no ensino de física. Nessa perspectiva, a função do professor durante a discussão, como em qualquer processo construtivista, é fazer o aluno pensar e avaliar as diferentes situações desencadeadas pela pergunta/situação original, conscientizando-se de que não deverá fornecer uma resposta pronta, e sim, fazer o aluno chegar à conclusão.
Assim, a História em Quadrinho instigadora deveria ser vista como a faísca de uma explosão, um artefato que buscará, através de seu enredo, o início do tratamento de um conteúdo, podendo influenciar as demais fases do processo, mas buscando primordialmente colocar a pedra fundamental da construção do conhecimento, tentando avaliar, através da participação dos alunos, as concepções espontâneas acerca do tema, permitindo ao professor a elaboração de estratégias didáticas visando à possíveis re-elaborações e/ou mudanças conceituais.